segunda-feira, 23 de maio de 2016
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Pego a caixa, tiro um cigarro,
em seguida o isqueiro: fogo.
Meu desejo é queimar até virar cinza,
sumir como a fumaça.
O ato de tragar mata aos poucos
infectando tudo que há por dentro.
Mas não é assim que a gente morre?
Todo dia mais um pouquinho.
Fumar não acelera a morte,
intensifica o processo.
Acendo o cigarro e ele queima,
queimo junto com ele
colocando pra dentro de mim
toda aquela fumaça tóxica.
Cada vez que inspiro, destruo o que precisa
ser morto aqui dentro.
Quando expiro todos os monstros e gritos
saem pela minha boca, exorcizados
para desvanecer no ar.
O cigarro apaga,
dele só sobram as cinzas.
Enquanto dentro de mim,
sempre haverão monstros.
restless
Rotina dói repetidamente,
repetidamente a rotina dói
Fazer tudo de novo e de novo, cansaço por nada.
A roda que não para de girar
o giro que não para de rodar.
Repetição da dor, incômodo: passar todo dia pela mesma árvore.
Tudo tem o mesmo gosto e o mesmo peso.
A rotina não pode parar e tudo se repete num ciclo quase doentio,
que parece ferir continuamente.
Me debato enquanto vou sendo trancada
numa pequena caixa
que
chamam
de
co ti di a no.
Adquiro marcas pelo corpo,
minha cabeça cada vez mais perturbada.
Segunda-feira: sorrio e faço tudo de novo.
segunda-feira, 16 de maio de 2016
vida sem tempo
Tempo é rolo compressor, sou esmagada cotidianamente pela sua força. Cada vez que meu despertador toca, cada vez que deixo de fazer algo para não me atrasar, cada vez que me atraso. Ele passa por cima de mim sem pena.
O tic-tac do relógio, a hora marcada de uma reunião, o tempo de trabalho, o prazo de entrega, os minutos que o macarrão tem que ficar na água. Tudo é tempo, hora, minuto, dia. Tudo marcado do relógio. Ter a vida contada em tempo me angustia. Tudo amarrado nos ponteiros, que serve de engrenagem pra o passar da vida.
Presa pra sempre dentro de um relógio. Existe vida fora do tempo?
segunda-chuva
A janela mais bonita está fechada, o café acabou.
Sentada na mesa sozinha, rodeada de xícaras vazias que agora possuem donos fantasmas. O único som é o da geladeira e a janela a minha frente me incomoda. Ela não é a mais bonita e além disso, sempre está com uma tela verde, poluindo mais ainda a visão.
Essa tela me incomoda todos os dias que estou aqui.
O dia nublado reforça o sentimento de vazio, seja lá por que. Meu casaco está cheio de pelos de gato, minha mochila está pesada demais, eu só queria estar em casa. Estando em casa construiria um casulo e ficaria ali até quando eu quisesse, vendo a vida passar.
Não tem café, a janela mais bonita está fechada, queria estar em casa e não posso. Sem casulo, sem café, sem conforto.
Segundas-feiras nubladas deveriam ser feriado.
Pontual
Entrar
naquele restaurante definitivamente não foi uma boa ideia.
Ele
acordou as 6 da manhã, para poder chegar ao trabalho as 8, se
arrumou a tempo de conseguir pegar o trânsito numa boa hora, chegou
no trabalho e até ai parecia tudo igual.
Arrumou
seus papéis, ajeitou as fichas, respondeu e-mails, atendeu
telefonemas e entre um café e outro as horas do dia foram se
passando.
Pausa
para almoço.
Volta
para o trabalho. Mais papéis, carimbos, fichas, um pouco de pressa
com relatórios, mais barulhos de telefone, a tarde corre junto com
ele pelo corredor da fica. O relógio gira seus ponteiros, fazendo
todos acharem que é mais um dia normal de sobrevivência urbana,
talvez seja para todos ali, mas não para Ele.
O
expediente vai se aproximando do final e Ele se lembra que acabou não
fazendo supermercado e fica pensando em possíveis coisas que se tem
em casa para jantar. Até onde consegue lembrar, nada que vá o
satisfazer, então, decide ir para um restaurante antes de ir para
casa. Assim tomada a decisão, começa a pensar nos restaurantes pelo
caminho até sua casa.
Restaurante
de massas italianas logo na esquina. Um português mais adiante. Um
japonês próximo de um chinês, que ficam a três quadras dali. Ou
talvez uma opção mais barata de um a kg quase na rua da sua casa.
Várias opções, fazendo sua fome aumentar mais e mais. O trabalho
já não interessa mais, tudo quase finalizado, Ele agora segue no
modo automático, só esperando o relógio completar a última parte
da sua volta.
Enquanto
segue na espera e vai pensando nas possibilidades de restaurante, se
lembra de uma churrascaria que tanto gosta e que nunca mais foi. Fica
um pouco fora do seu circuito, ele teria que dar uma volta a mais
para chegar em casa, isso o fez ponderar sobre seguir essa ideia ou
não. Mas a vontade daquela carne estava falando mais alto e ele já
estava quase decidido a desviar um pouco o caminho.
A
hora do fim do expediente chegou, guardou as coisas na sua pasta,
arrumou a papelada na mesa, deixou umas anotações em post its para
coisas para fazer amanhã. Quando estava fechando sua sala, sua
colega chegou e perguntou se ele estava seguindo para casa, pediu uma
carona, Ele falou do seu plano de desviar um pouco o caminho para ir
na churrascaria e a convidou ara jantar com ele. Ela recusou, disse
que estava cansada e queria chegar logo em casa. No elevador para
garagem, encontrou seu amigo com quem teve a conversa típica de fim
de dia e quando estavam caminhando para seus carros, Ele o chamou
para continuarem a conversa na churrascaria, seu amigo disse que até
que estava com bastante vontade, mas, sua filha estava doente e
precisava chegar em casa logo para ajudar sua esposa. Disse que
ficaria devendo essa e que logo logo marcariam essa saída.
Ele
apertou a mão do amigo, acenou em despedida e entrou no carro.
Quando ligou o som riu com a sensação de quem ansiava por uma
companhia. Ele estava com fome, mas também queria alguém para
conversar, se sentiu meio sozinho no meio de tantos carros e pessoas.
Seguiu para o restaurante, quando chegou perto, foi procurando um
estacionamento, os lugares estavam meio cheios, ele fez um retorno e
decidiu deixar seu carro uma rua antes.
Desceu,
andou até o restaurante. Tudo ocorria normalmente, como todo o dia.
Ele pediu sua comida, esperou, ela chegou, ele comeu. Tudo ocorria
normalmente, como todo dia. Pediu a conta, pagou, se levantou e foi
para casa.
Nunca
chegou em casa.
Quando
foi atravessar a rua, um carro em alta velocidade veio atravessando o
sinal e o matou atropelado.
Poderia
ter sido qualquer pessoa. Ele poderia ter ficado mais 10 segundos
sentado na sua mesa do restaurante. Poderia ter estendido um pouco
mais a conversa com o amigo no caminho da garagem, poderia ter dado a
carona pra sua colega de trabalho ou ter guardado as coisas mais
lentamente antes da saída. Poderia ter ido ao restaurante a quilo
mais próximo da sua casa, ao chinês há três quadras do seu
trabalho ou ao japonês perto do chinês. Antes disso ainda tinha um
português e logo na esquina, massas italianas.
Os
relatórios poderiam ser feitos com menos pressa, a tarde poderia ter
corrido menos, poderia ter saído mais tarde e ter pego o trânsito
só um pouco mais engarrafado, poderia ter derrubado os papéis e ter
atrasado tudo 5 minutos, poderia ter passado mais tempo tomando um
cafezinho enquanto conversava com um colega.
Mas
não. Fez tudo exatamente na hora certa para a morte. Cada minuto
contado bizarramente, cada passo dado em perfeita sincronia com o
fim, cada respiração o levando para a última, quando cruzasse o
mesmo caminho do carro que atravessava o sinal.
A
hora exata pra morrer. Um segundo a mais em qualquer ação do seu
dia poderia ter resolvido tudo ou qualquer outro restaurante.
Qualquer um deles mataria sua fome e o deixariam vivo.
Entrar
naquele restaurante definitivamente não foi uma boa ideia.
domingo, 15 de maio de 2016
meiodetarde
Sentada na varanda, na minha cadeira azul, o vento bate suave em mim e ajuda a virar as páginas do livro. A luz da tarde que está no limiar que tanto gosto: nem começo nem fim de tarde. É aquele horário tranquilo e amarelo suave, que tem uma luz dourada que faz tudo parecer uma fotografia de temperatura quente.
Nesse horário tudo parece repousar, calmo. Os sons ao meu redor ficam menos agressivos, minha gatinha desperta e se põe calma a observar a passagem do tempo. O barulho das folhas no seu lento roçar é reconfortante.
Tudo nesse horário parece meio vazio de ansiedade e cheio de vida. A paz vem nessa horinha preciosa depois da soneca pós-almoço e antes do pôr do sol. Uma pena nem sempre estar com a alma leve pra perceber isso. Abaixo o livro e fico a olhar os últimos momentos dessa cor bonita. Deixo o vento me abraçar ao mesmo tempo que danço com as roupas no varal.
Fico parada olhando, queria sentir isso pra sempre. Guardar esse meiodetarde numa caixa para que pudesse visitar sempre.
Peguei meu caderno, escrevi. Quando releio: paz.
não parar
Se
eu parar eu CAIO, se eu parar eu EXPLODO, se eu parar eu PERCO, se eu parar eu
CHORO, se eu parar eu MORRO, se eu parar eu MATO, se eu parar eu ENLOUQUEÇO, se
eu parar eu ESTILHAÇO, se eu parar eu QUEBRO, se eu parar eu TRAVO, se eu parar
DÓI, se eu parar ARDE, se eu parar APERTA, se eu parar eu ENTORTO, se eu parar
eu AGONIZO, se eu parar eu SURTO, se eu parar eu ACABO.
NÃO PARAR. NUNCA ACABAR.
espaço-tempo flutuante
[No
silêncio de uma tarde só, acho que deveria escrever. Mas sobre o que?
Penso
e sinto muitas coisas, mas não sei mais transformá-las em palavras, pelo menos
por enquanto.
Agora
só sei flutuar, flutuar.
Meu
corpo flutuante nesse espaço físico, mas não tão flutuante quanto minha mente,
que vagueia por um espaço-tempo que não existe. Vivo nessa dicotomia,
procurando algum momento em que eu consiga unir o meu espaço físico e meu
espaço mental.
E
assim, flutuar em mim mesma.]
tempo
Queria
poder segurar o tempo com as mãos. Agarrá-lo, ver finalmente essa face que me
parece sempre tão turva.
O
tempo se faz de abstrato mas é mais concreto que qualquer coisa que exista
aqui, ele molda a gente.
Por
mais que eu corra ele sempre está na minha frente, nunca posso alcançá-lo mesmo
ele correndo sempre ao meu lado. Dentro de mim.
Temporalidade.
Me dá medo essa palavra, faz lembrar que tudo me é finito, inclusive eu. O
tempo é cruel e implacável, ele te engole todos os dias sem pena.
Enquanto
ele passa, inexoravelmente, transpassando cada pedaço de mim, penso que de tão
concreto, ele é abstrato. Nunca vou conseguir agarrá-lo, é ele quem me pega
todos os dias.
150 km/h
Estou
tentando entender o que está acontecendo comigo. Na realidade, sempre tento
(poucas vezes consigo, é verdade). Mas ultimamente têm sido diferente, as
coisas vêm vindo como um avalanche, nada faz questão de vir progressivamente,
para que haja algum tempo para pensar ou talvez entender algo, mesmo que pouco.
Os
dias correm e eu não consigo agarrar nada, são os fatos que me agarram e ao
invés de me afagar me jogam em enormes furacões. Estou rodopiando em
velocidades altíssimas, espero não destruir nada.
O
tempo vai me atropelando, como um rolo compressor e a cada vez que passa vai
deixando suas marcas. Não que esteja sendo ruim, coisas realmente boas vêm
acontecendo comigo, algumas frutos de tudo aquilo que venho fazendo há algum
tempo, outras, surpresas que foram atiradas nas minhas mãos seu eu nem saber
como nem porquê.
Me
sinto perto de alguma coisa ou então perto de nada. Esse girar infinito que
parece não cessar nunca e que me deixa sem ver as coisas com muita clareza.
Vejo pouco, é fato. As paisagens andam meio turvas, tudo parece um borrão. Mas,
ao contrário dos meus olhos, todo meu corpo parece sentir tudo isso que não me é
permitido enxergar.
Mesmo
parada sinto a ventania do movimento ao meu redor, o som das coisas passando,
entrando, se arrastando pelo chão da minha consciência. Nada que eu tenha
sentido antes. Até a angústia é diferente, e ela me vem com uma grande misto de
ansiedade.
Não
sei o que está pra acontecer, a cada momento sou atingida com força por algo
completamente diferente, mal tenho tempo para respirar fundo entre uma pancada
e outra.
Dentro
de mim um universo em expansão, fim de ciclos, começos de outros. Esses começos
dão medo, caminhadas novas sempre causam frio na barriga.
Inspiro,
conto até quanto for necessário, espero o medo passar e me agarro a qualquer
fio de coragem que passe por mim. A ventania da mudança me empurra, não tenho
escolha sobre se quero seguir ou não. Só me resta seguir, bem no olho de um
furacão.
caos consome
O
passar dos dias me consome, nunca sei o que quero. No meio desse tédio me
reviro sempre em busca de algo mais. Mais de que? Não sei.
As
vezes o que sinto não parece suficiente, porque o que eu quero é que minha
cabeça exploda com uma chuva de ideias, invenções, teorias e quero que meu
peito afunde com sentimentos que nem sei nomear. Mas aí eu respiro fundo e não
me sobre nada. Só vazio.
Eu
sou um caos. Milhões de explosões por segundo, alta rotatividade, eu sou um
caos. Afirmo mesmo sem saber direito o que isso quer dizer. Caos. Eu quero
silêncio, mas quero grito, quero solidão mas também abraços. O que é isso?
Paradoxalmente caótica.
Quero
gritar, sair correndo, pular de um penhasco, nadar, mergulhar até não ter mais
fôlego, quero me sentir grande, quero me sentir minúscula. Quero tudo, qualquer
coisa, mas por favor, que não me reste o tédio desses dias iguais. Quero girar
frenética com o mundo, a cada volta algo novo. Irreconhecível. Inexplicável.
Que
minha cabeça exploda, que meu peito afunde. Respiro fundo, acendo um cigarro e
ao meu redor, nada.
chaos inside
[Viajo para dentro de mim,
indo cada vez mais fundo ao
meu interior.
Como é bonita a paz do meu
caos.]
café-tempo
Tomo
meu café
enquanto
reflito sobre minhas dúvidas.
Gasto
meu tempo
tentando
entender o impossível.
Enquanto
isso, a vida
passa
pela frente das minhas lentes
e
eu, sempre
sem
entender
absolutamente
nada.
?
O
QUE EU SOU
O QUE EU NÃO SOU
O
QUE EU QUERO SER
O QUE EU POSSO SER
O
QUE ME LEVA A SER
E A NÃO SER
SER
ESTAR
ESTAR SER
O
FLUXO CONSTANTE
DE SER E NÃO SER
O
QUE É SER?
EU SOU.
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