terça-feira, 12 de julho de 2016

relato insone


Logo hoje a insônia insiste em ficar. Depois de um dia cheio, na véspera de um que tenho outras tantas coisas a resolver, a insônia insiste em ficar. Deitei cansada, mas minha cabeça continua a girar, listando tudo que tenho que fazer não só amanhã, mas durante a semana. Tentando contar o dinheiro pra o resto do mês. 

A menina que fui há 15 anos atrás me olha pela fotografia que tenho na estante. Os olhos cravados em mim como se sempre soubesse o que eu iria ser 15 anos depois: uma insone, ansiosa, cansada, sentada na cama ouvindo o não-barulho da madrugada com um caderno no colo escrevendo sobre nada.

Quando acho que estou só percebo que meu vizinho me faz companhia. Ao invés de escrever, ele prepara algo pra beber. Daqui ouço o liquidificador. Depois de um tempo, o barulho de copos e logo após uma cadeira sendo arrastada. E isso não quer dizer nada afinal.

Olho meu celular pra conferir as horas e são 3:44 da manhã, meu despertador está marcado para às 7:25. Já prevejo o arrependimento pela manhã por ter gasto essas horas de sono pensando, escrevendo. O pensamento recorrente da insônia é sempre o "deveria estar dormindo", cada célula do corpo grita pelo cerrar dos olhos e o apagar das luzes, mas o cérebro por vezes maldito, finge não entender isso. 

Angústia.

Insônia é batalha entre corpo e mente mas quem sofre com isso são os olhos, que sempre acabam abertos quando não lhes é conveniente.

pelo avesso



Eu derreto, reconstruo, congelo, levanto. 

Viver entre pedras, abrir o caminho não mão sem saber onde vai dar. Não ir pela trilha indicada, desviar da placa que mandaram seguir, quebrar o GPS: Inventar minhas próprias sinalizações e formas de chegar. Não dizer pra onde vou, seguir pela água nadando até não aguentar mais: sem fôlego e com cãibras.

Não levar ninguém, ir sozinha pelo caminho mais largo. Reunir todas as pessoas, ir e voltar pelo caminho mais estreito possível. Errar pela cidade, observar os passantes e esquecer quem eu sou. Construir memórias, escrever na minha pele até que minhas veias absorvam tudo que vivi. Sentar no lugar mais barulhento possível e escrever um texto sem sentido sentindo tudo ao redor. Desconexões necessárias. 

Não ter medo de derreter, reconstruir, congelar e sumir como miragem, se não, a rotina acaba com cada átomo do corpo e cada estrela do pensamento. Permitir que as galáxias na cabeça colidam, deixar que os meteoros caiam em chuvas torrenciais e que os buracos negros suguem toda luz já saturada. Deixar tudo sem sentido para recomeçar livre.

Fazer tudo ao contrário, andar na contramão, pois a repetição dos dias acabam com cada camada.

                                        Desconstruir o tempo, adquirir camadas.

sem título e com cor



Tudo com uma cor laranja queimava e aquecia como a vela ao lado. Jogo de sombras e respiração, sem a luz do poste dá pra enxergar melhor o que se esconde debaixo da lâmpada. Olhos que expressam tudo o que precisa ser dito, pupilas mais dilatadas a cada movimento. 
O cheiro vermelho, o abraço quente, o conforto tranquilo, sem pressa. Não há relógio aqui, o tempo só existe da porta pra fora; do lado de dentro todas as coisas giram no seu próprio ritmo.

Não há mais ninguém, nenhum barulho além da música escolhida ecoa neste lugar. Um limbo especial para salvação dos dias que correm: ficar aqui e reencontrar a paz. A tranquilidade da preguiça que domina tudo nesse momento é permitida. 

Não tinha luz, uma vela foi acesa deixando tudo laranja-avermelhado. Tudo coberto por sombras e ninguém pode nos ver. Reunimos estrelas, colidimos planetas, reinventamos o sistema solar. No fim explodimos uma galáxia e o universo inteiro pôde nos assistir.